Uma Questão de Espaço
Era uma manhã do início do Verão. O dia amanhecera claro duma
luminosidade brilhante.
Ema saíra de casa sem destino certo. Apetecia-lhe o ar matinal, a luz
límpida, eventualmente o calor do sol. Sem outra preocupação que não a de estar,
encaminhou-se para a praça. Sentar-se-ia na esplanada, beberia um café
reconfortante e sentiria a manhã.
Àquela hora, os habituais frequentadores salpicavam as mesas que se
espraiavam pela esplanada com cálidas trocas de palavras antegozando um
esplendoroso dia de sol.
Sentou-se sob um largo guarda-sol verde de pano.
Pediu um café e uma água e preparou-se para saborear a placidez da hora.
Depois do café, continuou beberricando golinhos de água, observando os
que cruzavam a praça, escutando rastos de sons que conduziam a frases sem nexo,
descontextualizadas, sem querer fixar-se nesta ou naquela conversa.
Uma suave brisa levantava-se agora e Ema sentiu-se grata por aquela
aragem na manhã dum dia que se antevia quente.
Lentamente, em gestos desusados, tirou da mala papel e caneta e ensaiava
agora, não sei que rabiscos, mais letras ou mais riscos...
Abstraída por instantes do que a rodeava, encheu páginas em gesto
ritmado, seguro e vigoroso.
A chuva caía copiosamente. A suave brisa arrastara nuvens carregadas que
libertavam o seu conteúdo numa chuvada refrescante. Mas como surgira
inesperada, espantava os que na praça procuravam o calor do sol. Seria por
certo chuva de Verão: forte a cair, rápida a partir.
Ema deixara-se
ficar debaixo do largo guarda-sol que a escudava também da chuva.
Porém, não na totalidade, pois um ou outro furinho
permitiam que passassem pingas pesadas.
A chuva intensificava-se. E, ou por isso, ou porque o olhar dos outros
recaísse sobre a sua pessoa, resolveu-se a abandonar o refúgio daquele
guarda-sol verde.
Procurou então abrigo debaixo das arcadas e o sorriso dos outros, de que
se destacava o do empregado de mesa, acompanhara a sua retirada.
Ao passar, encarou-o, pediu-lhe outro café e sentou-se a outra mesa.
Voltou a pegar no papel e na caneta e dispôs-se a registar impressões ou
sentimentos numa letra miudinha, impercetível para o vizinho de mesa ou
qualquer olhar indiscreto." HES
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